sexta-feira, 5 de abril de 2013

Chupa no sofá


Durante toda infância e adolescência ouvi as pessoas mais velhas depreciarem minha geração, rotulando-nos de acomodados.É evidente que os atos das Diretas Já são um feito quase insuperável no quesito "protestos que geraram mudança". Contudo, há anos não se via uma mobilização como a ocorrida nas últimas semanas contra o preço da passagem de ônibus. Sempre discordei dos que menosprezam essa geração. Acredito que, sim, damos a cara à tapa e gritamos que algo está errado; porém na maioria das vezes não nos escutam. Tive a oportunidade de fazer o ensino médio em uma escola estadual que tem uma certa tradição política (não sei se continua assim). E lá aprendi a atentar a questões de cunho político-social. Tive a sorte de vivenciar a experiência de parar o trânsito com faixas e palavras de ordem que traduziam um "estamos descontentes com essa situação". Todavia nunca havia presenciado uma mudança tão significativa.

Comecei a pensar: por que agora deu certo? Seria pela insistência? Pela ajuda crucial das redes sociais? Por que fizemos algo diferente? Creio que nenhuma das alternativas responda tão bem a questão como a simples constatação: o povo se uniu. A indignação pode ter começado com a juventude, mas chegou ao seu clímax quando trabalhadores em geral agregaram vozes descontentes. Tenho a teoria (geralmente tida como errônea) que nós não tínhamos algo concreto para protestar. É lugar-comum falar que o país está uma vergonha por nossos representantes políticos; citar corrupção e afins. Entretanto acho tudo isso um tanto quanto abstrato demais para promovermos uma mudança. Em "abstrato", leia-se nas entrelinhas gigante e difícil de ser tocado. Já a passagem de ônibus está aqui na nossa frente. Dói diária e visivelmente. É palpável e sentimos o gosto amargo.

Há algum tempo vinha observando, com muita expectativa, os protestos na Espanha em 2011, reivindicando os partidos políticos que não representavam o povo por suas decisões. Havia também protestos na Holanda sobre restrições dos coffee shop (não estou abordando se a causa é nobre ou não) e, por fim, protestos no Egito contra violência policial, desemprego e salário mínimo. Pensava: se lá deu certo a iniciativa dos jovens, em breve, aqui também dará. Parecia uma onda que vinha se espalhando pelo mundo. E assim ocorreu.

Quando escutei que o governo deu o braço a torcer fiquei em êxtase. Os gritos que antes eram de contestação se transformaram em alívio alegre bem traduzido no singelo: CHUPAAAA! Parecia a comemoração de um título do meu time. É TETRA! É TETRA! E comecei a pensar em todas as pessoas e veículos de imprensa que notoriamente foram contrários ao protesto. Em sua maioria, os mesmos seres mais vividos que apontavam o dedo dizendo que não saímos do sofá. Aqueles que disseram "que absurdo essas atitudes", "isso não vai dar em nada", ou ainda "são apenas 20 centavos" poderiam continuar pagando R$3,05 pelo transporte coletivo. Seria um castigo interessante. Claro que falo isso com ironia, pois se o protesto só deu resultado pela união do povo, o benefício da vitória também deve ser desfrutado por todos.

Enfim, obrigado sociedade gaúcha por nos dar ouvidos. E mais, nos dar as mãos, as vozes, o tempo e a confiança. Agora sinto que aprendemos e percebemos que a luta vale a pena. Conseguimos sim modificar o que nos oprime. Juntos. E àqueles que permanecem com a visão derrotista ou que ainda menosprezam essa geração fica um carinhoso: chupa acomodado no sofá!

sábado, 23 de março de 2013

Essência


Para elaborar um perfume é necessário misturar alguns produtos que irão mantê-lo durante toda sua 'vida'. Existem milhões de perfumes diferentes; pequenas variações de alguns elementos e de dosagens dos mesmos. Contudo, todos os perfumes têm algo imutável: a essência. Assim também são as pessoas. Qual sua essência? Essa é uma pergunta que vem me martelando e, por vezes, massacrando. A essência é um fator perene? É uma substância com a qual já nascemos e morreremos com ela? Ou seria algo que se transforma com o passar do tempo, nossas vivências, os meios e as pessoas que nos rodeiam? Tal como nos perfumes, acredito que é algo inalterável também nos seres humanos. É algo mais forte que nós - que não respeita nossas vontades.

House é um seriado da TV a cabo que considero genial. Trata-se de um médico - o dr. Gregory House - que é extremamente cético acerca das pessoas. É evidente o conflito, já que ele ganha a vida salvando esses seres. Um personagem muito bem elaborado. Mas o ponto onde quero chegar ao lembrá-lo está em algumas de suas frases marcantes - repetidas inúmeras vezes durante as oito temporadas do seriado.

- Everybody lies
- Nobody changes

É uma verdade básica da condição humana: todo mundo mente. A única variável é acerca de quê. Acredito que uma mentira comum e muitas vezes imperceptível diz respeito justamente à essência. Nesse ponto se encaixa a máxima: ninguém muda. Se esse pilar do caráter é algo irremediável - como creio eu - não importa o quanto você se afaste, mude hábitos, desfrute de novas crenças e filosofias. Na sua raiz, você permanece. Não se trata de estar, mas sim de ser. Ninguém muda. O achar que mudou é uma mentira. E todo mundo mente.

A essência é primordial para designar a fragrância. Seja para perfumes ou pessoas, estamos falando da marca que deixamos. Uma essência ruim, por mais que misturemos produtos purificadores, exalará uma fragrância de podridão. Talvez em um primeiro momento, na primeira "respirada", até nos agrade. Mas com o tempo, os enfeites evaporam e a essência fica bastante à mostra. Claro que existem perfumes inebriantes, essências deslumbrantes que nos surpreendem positivamente. Mas, convenhamos entristecidos, em se tratando de pessoas são muito mais raros.