quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Como ser feliz

O Claudinho usava bigode. Era pequeno e magricela. Parecia um daqueles pontas antigos. Osni, do Bahia, lembra? Ney, do Palmeiras. Ortiz, do Grêmio. Tudo pouco mais de metro e meio, e tudo rapidinho e dribladorzinho e eletriquinho. Mas não sei se o Claudinho era ponta.
O Claudinho trabalhava comigo no setor de microfilmagem do Estado. Ganhava um salário menor do que ele, por isso precisava completar a renda com outros dois ou três empregos. O problema era que o Claudinho vivia acossado por mais umas duas ou três ex-mulheres, todas elas equipadas com filhos feitos pelo Claudinho, ávidas de pensões e atenções e tudo mais que as mulheres, mesmo as ex, exigem. Então, nada do que o Claudinho ganhasse bastava. Ele estava sempre duro, durango, vivia pedindo algum emprestado.
O Claudinho não tinha carro. Deslocava-se pelo mundo de ônibus. De humilhante, como se dizia na época. Estava sempre açodado, ofegando entre um emprego e outro, entre uma mulher e outra, entre um cobrador e outro. Os credores estavam sempre rondando o Claudinho, perguntando quando ele ia pagar. Pior: ele não tinha sorte. As coisas, se podiam dar errado com o Claudinho, davam.
Um dia ele chegou ao trabalho todo lanhado, olho roxo, ataduras por braços e pernas, tiras de esparadrapo no rosto e no pescoço. Nos assustamos.
— Que que foi, Claudinho???

Ele contou que, no fim de semana, saiu de casa de bicicleta e encontrou uns amigos num bar e bebeu umas cervejas a mais e, no caminho de volta, dormiu em cima do guidom. Acordou na cama do hospital.

O chefe se irritava porque o Claudinho fumava no trabalho, o que era proibido. O Claudinho fumava tanto que colocava dois cigarros de uma só vez entre os dentes e sugava a nicotina com sofreguidão, repetindo delícia, delícia... Escondia-se no banheirinho do escritório para pitar. Saía aquela fumaça azul por baixo da porta e o chefe ia lá. Batia, fulo:
— Claudinho! Tu estás fumando!

Ele, lá de dentro:

— Tô defecaaaando...

O Claudinho sofria. Mas era feliz. Estava sempre rindo, sempre brincando, sempre de bom humor, e eu o admirava por isso. Um dia perguntei-lhe como é que ele, tão cheio de problemas e azares, podia ser feliz, como parecia ser. O Claudinho deu uma resposta luminosa:
— A alegria me faz feliz.

Quanta inteligência nessa frase. Porque é assim mesmo. A felicidade é um hábito. Você se acostuma a sorrir para os outros, a brincar, a não levar as vicissitudes a sério, e assim, fisicamente, materialmente, alcança esse estado de espírito elevado, intangível e tão valorizado a partir do século 20, que é a felicidade.
Quase tudo na vida funciona desta maneira. Os costumes se arraigam. A prática leva à sofisticação. A felicidade depende menos de análises e teorias do que do rés do chão do dia a dia. Um trabalhador se torna expert trabalhando. Um gourmet, comendo. Um time depende menos do sistema requintado do seu treinador e mais do arranjo silencioso e informal que ocorre entre os jogadores dentro do campo. Um time se faz jogando, não treinando. E a felicidade é basicamente muscular. Pode ser atingida movimentando-se a face, sorrindo, sorrindo sempre. Era um sábio, o Claudinho.
*Autoria de David Coimbra. Texto retirado do seu blog.

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